Benguela acolhe encontro sobre Cidadania
e Segurança Pública

dez 8, 2020 | Artigos, Destaque

A fim de debater e prevenir conflitos de direitos fundamentais no Estado de direito contemporâneo que se quer erguer em Angola, o Centro de Estudos para a Boa Governação – UFOLO – organizou em Benguela, no passado dia 28 de Novembro, em parceria com a Delegação Provincial do Ministério do Interior, um encontro entre a sociedade civil e as forças de segurança. O encontro teve lugar na Delegação do Ministério do Interior e contou com dois painéis: 1º – Conflito de direitos fundamentais: exercício de liberdades e segurança pública; 2º – Investimento e direitos fundamentais num contexto de crise; o papel da segurança pública.

O primeiro painel teve como oradores o Comissário Aristófanes dos Santos, Comandante Provincial da PN em Benguela (leia aqui a apresentação); Paulo Inglês, sociólogo e docente universitário e o rapper MCK (leia aqui as ideias apresentadas pelo rapper). Já o segundo painel teve como orador Osvaldo Cruz, economista e docente universitário.

Sendo a cidadania o conjunto de direitos, meios, recursos e práticas que dá à pessoa a possibilidade de participar activamente da vida e do governo do seu povo, o encontro fundamentou-se na garantia da paz e da liberdade, para que cada cidadão possa seguir a sua vida, fazer os seus negócios e desenvolver as suas capacidades individuais e colectivas.

Actualmente, assiste-se em Angola a um exacerbar da tensão entre liberdade e segurança. Há três factores que contribuem para o aumento da pressão social: o combate à pandemia da COVID-19; o agravamento da situação económica e consequente ruptura do tecido social; as consequências políticas do combate à corrupção.

Mais do que nunca, no quadro do Estado de direito, é necessário definir com maior clareza os limites do exercício dos direitos fundamentais perante as necessidades de segurança pública. Não há uma solução mágica para esta limitação dialéctica, tendo de se procurar critérios consensuais para que, na prática, se consiga resolver os conflitos de direitos fundamentais.

Segundo o seu mentor, o activista Rafael Marques, “a liberdade é melhor exercida com o exercício da cidadania e num clima de segurança”. Por isso, é urgente criar um clima adequado para o investimento, numa Angola com instituições a funcionar e regras efectivamente aplicadas. A confusão e o caos só beneficiam os pregadores da desgraça e aqueles que não querem o bom funcionamento da sociedade.

Na sua alocução sobre “Conflito de direitos fundamentais: exercício de liberdades e segurança pública”, o Comissário Aristófanes Santos, delegado do ministério do Interior e comandante provincial da Policia Nacional em Benguela , sublinhou o princípio da dignidade humana perante o qual, “na actuação policial, é preciso ter em conta que todos os cidadãos têm direito à liberdade e à segurança, sendo invioláveis a sua integridade física e moral”.

Para o comandante da PN em Benguela, “as polícias deverão desenvolver uma cultura de segurança com vista a criar no cidadão uma ideia de estabilidade motivada pela ordem existente na comunidade, mas a questão da segurança não é tarefa exclusiva da Polícia, os cidadãos têm a obrigação de procurar uma certa compreensão, auxiliando o trabalho policial e não apenas responsabilizando a Polícia pela ordem na comunidade” (pois que) “numa sociedade livre o respeito pela dignidade do homem pressupõe sempre o auto reconhecimento da dignidade da autoridade”.

Aristófanes dos Santos propôs “um policiamento cada vez mais proactivo, ou seja, a polícia deverá antecipar-se aos problemas, não esperando que eles aconteçam, até porque a própria actividade policial é sobretudo de carácter preventivo.”

Um dos pressupostos para que a actuação da Polícia seja considerada eficaz, é que “o recurso à força por parte dos agentes policiais, só se justifica em casos extremos e desde que estejam esgotadas todos os outros meios para fazer cumprir a legalidade, obedecendo ao princípio da mínima intervenção. Quanto ao recurso às armas de fogo, só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos gravosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias.”

O rapper MCK propôs no encontro, a “criação de um Comité de Conciliação Social composto por representantes da sociedade que pretendam realizar manifestações e da Polícia Nacional, que funcione em permanência, antes, durante e depois das manifestações e permita que tudo decorra dentro dos valores constitucionais”, pois, segundo disse, “se o Direito estabelece as grandes linhas, é o bom senso cívico que determina os comportamentos concretos e é sobre eles que nos devemos debruçar e sobre os quais devemos estar atentos.” de forma a determinar na prática as regras a seguir e a monitorizar as violações dos direitos fundamentais que ocorram.

Falando sobre “Direito em acção. Do formalismo constitucional ao diálogo social”, MCK considera que o direito à manifestação não pode ser retirado aos cidadãos a não ser nos casos previstos na lei. Contudo, pode ser sujeito a condicionantes de vária ordem para garantir outros direitos e a manifestação tem de ser sempre pacífica. A violência ou intenção de violência retira qualquer manifestação do âmbito da protecção constitucional.”

Para o rapper, neste momento em Angola, a solução nunca é acabar com o direito de manifestação, mas estabelecer critérios de concordância prática para a efectivação daquele direito e do direito  à saúde pública. As respostas têm de ser encontradas no diálogo e interacção entre cidadãos, neste caso, entre sociedade civil, activistas e polícia.  “Consequentemente, o mais importante é estabelecer uma plataforma de monitorização e mediação entre a Polícia, os activistas e a sociedade civil que esteja apta a concretizar os critérios práticos de actuação.“

Foi neste âmbito que o Centro de Estudos UFOLO para a Boa Governação promoveu o Encontro sobre Cidadania e Segurança Pública, que contou com a participação de cerca de  40 oficiais da Polícia Nacional, incluindo todos os comandantes municipais e comandantes das esquadras da cidade de Benguela. Participaram também membros da sociedade civil, criando assim  uma plataforma de diálogo e bom senso para debater as tensões candentes na actual sociedade angolana.

Inicialmente, alguns activistas presentes manifestaram o seu nervosismo por  se encontrarem rodeados de dezenas de oficiais da Polícia Nacional que, entretanto, os encorajavam a usar da liberdade de expressão e a expor as suas preocupações e assim o fizeram sem temor de represálias.

 

 

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